Este artigo discorre sobre as três modalidades de trabalho nas quais NÃO estão previstas jornada de trabalho, nem o pagamento de horas extras. Entenda!
O presente texto possui a finalidade de abordar os conceitos e previsão legal da jornada de trabalho, labor extraordinário, para, como enfoque principal, tratar sobre as modalidades de trabalho, cada qual com suas especificidades, em que não cabe ao empregador controlar a jornada de trabalho de seus funcionários, conforme dispõe o artigo 62 da Consolidação das Leis Trabalhistas, consubstanciado com as alterações sofridas após a reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017).
Como é sabido, a jornada de trabalho resume-se no período de tempo em que o trabalhador encontra-se a disposição do empregador, para exercício das atividades pré-estabelecidas em um contrato de trabalho. Assim, para todo trabalho realizado, existe uma jornada de trabalho pré-estabelecida no contrato celebrado entre empregado x empregador, a qual deve observar o limite legal de 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) horas semanais, podendo ser estendida, em duas horas extraordinária, conforme estabelecido na Consolidação das Leis Trabalhistas.
Muito embora todo o exposto, há que se falar na hipótese de contratação de um trabalhador que exerça sua atividade e, ao mesmo tempo, não esteja condicionado à jornada de trabalho, conforme prevê o artigo 62, incisos I, II e III da CLT. Resumidamente, são três: trabalhador externo, cargo de confiança/gestão e teletrabalho.
Para melhor compreensão do motivo pelo qual estas hipóteses não estão enquadradas na jornada de trabalho do empregado, inserida no Capítulo II da CLT, a qual limita seu exercício laboral de forma constitucionalmente garantida, a fim de que não sejam feridos seus direitos humanos/fundamentais, passamos a discorrer sobre estas três situações, atualmente recorrentes no Direito do Trabalho.
Primeiramente, o cargo de confiança, ou cargo de gestão, é aquele em que o colaborador tem poder diretivo, ou seja, coordena e fiscaliza atividades, bem como possui autonomia para admitir ou demitir funcionários. Pode ser considerado um cargo de “alta gestão”, como gerente, diretor ou chefe de uma filial, bem como o salário é acrescido de uma ‘gratificação de função’, no importe de 40% (quarenta por cento) de seu valor.
Oportunamente, há que se ressaltar uma costumeira situação: a empresa registra o funcionário ficticiamente como cargo de confiança, em qualquer que seja a função exercida, tão somente para não pagar as horas extras eventualmente laboradas, ignorando o fato de que tal situação pode ser descaracterizada judicialmente.
Neste caso, é cada vez mais comum que funcionários nesta posição acionem a Justiça do Trabalho afim de demonstrar que, embora tenham sido registrados como cargo de confiança, sequer possuíam autonomia para exercício de suas atividades, ou muitas vezes, seu salário em pouco se diferenciava dos seus subordinados
Assim, há por determinação judicial, a descaracterização do cargo de confiança e a consequente condenação da empresa ao pagamento de horas extras, o que, muitas vezes, torna-se extremamente complicado uma vez que as empresas nessas situações não possuem o controle da jornada, fazendo-se valer a jornada alegada pelo funcionário.
Outra hipótese do artigo 62 é o trabalhador externo, que é aquele que exerce sua atividade fora das dependências da empresa, com autonomia, sem interferência direta/indireta do empregador.
Para que o trabalho externo seja caracterizado, é imprescindível que, devido a especificidade de sua atividade, esta seja incompatível com a fixação de horário de trabalho. Isso porque, a partir do momento em que existam meios de controle de jornada deste trabalhador, ainda que indiretos, este já deixará de se enquadrar na exceção prevista do artigo 62, inciso I, da CLT. Um grande exemplo do trabalhador externo são os vendedores da empresa, que exercem suas atividades fora das dependências, constantemente em viagens.
Imperioso destacar que, atualmente, é cada vez mais difícil comprovar a impossibilidade da empresa controlar a jornada dos trabalhadores externos, principalmente devido aos meios tecnológicos utilizados para desenvolvimento do trabalho, os quais podem enfatizar a ideia de controle da jornada, tais como relatórios periódicos, log in em sistemas de acesso da empresa, GPS em automóveis e etc.
Por fim, chegamos a última hipótese prevista no artigo 62, que é o regime de teletrabalho, modalidade a qual passou a ter previsão legal após a reforma trabalhista, incluída pela Lei nº 13.467, de 2017. Esta modalidade resume-se àquele funcionário que exerce sua atividade em qualquer local que não seja a sede da empresa, utilizando toda a tecnologia necessária, para fins de informação e também de comunicação, ou seja, é chamado de “trabalho à distância’, pois pode ser realizado de qualquer lugar, independente de um escritório fixo. Um exemplo de profissional que pode realizar seu trabalho à distância, é o advogado, o tradutor, o marketeer, entre outros.
Lembrando que o trabalho externo e o teletrabalho não se confundem. Isso porque, embora ambos sejam exercidos por trabalhadores à distância, o trabalhador externo é aquele que trabalha de forma externa sem um local fixo para exercer suas atividades. Por outro lado, o teletrabalhador, em geral, possui um local fixo de trabalho, como, por exemplo, seu próprio domicílio. Ainda, este último, diferentemente do trabalhador externo, não tem a necessidade de se locomover para exercício de suas atribuições.
Se levarmos em consideração as três hipóteses acima, bem como suas peculiaridades, entendemos que suas atividades não são controladas pelo empregador, motivo pelo qual estes colaboradores não estão sujeitos a jornada de trabalho, tampouco ao recebimento de horas extras.
No entanto, as empresas devem tomar cuidado ao caracterizar as atividades de um funcionário nessa hipótese, e se atentarem a realidade que será desempenhada no dia a dia, e jamais fazer isso com o único intuito de economia, pois, caso haja a desconsideração de um dos incisos do artigo 62, haverá a condenação em horas extras, o que será muito mais oneroso para o empregador, conforme exposto acima.
Assim, o que pode-se concluir é que, muito embora prevista na legislação trabalhista as hipóteses de cargo de confiança, trabalho externo e teletrabalho, atualmente, a jurisprudência se mantém alinhada no sentido de que é possível a comprovação, pelo funcionário, de realidade contrária aos requisitos impostos pela lei para exercícios dessas modalidades de trabalho, motivo pelo qual, poderá o funcionário se respaldar no Poder Judiciário para alcançar seus direitos, em detrimento ao poder de mando do empregador e a condição de vulnerabilidade na relação de emprego.
Contudo, sob outra ótica, a fim de proteger a atividade econômica e dirimir seus riscos, tais ressalvas servem como um alerta às empresas e como estas se organizam e coordenam suas contratações, principalmente na forma como que estes funcionários exercem suas atividades no dia a dia, ou seja, sem implicar em qualquer tipo de controle de jornada (direto ou indireto), de forma que não incorram em futuras alegações de descumprimentos as obrigações ou leis trabalhistas.
Assim, o ideal, é que cada empresa tenha consolidada uma estratégia nestes casos, de forma que a prestação de serviços destes funcionários seja realizada na forma exata prevista no artigo 62 da CLT, bem como que esteja sempre respaldada com as orientações de um corpo jurídico apto a identificar eventuais problemas e evitar futuros passivos.
Por Carolina Colletes Tricca
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