Atualmente está em alta a discussão acerca da possibilidade, ou não, de substituição judicial do índice IGP-M pelo IPCA, ou mesmo o INPC, nos contratos de locação comercial.
A contenda se dá em razão da disparidade dos valores acumulados, de acordo com um ou com outro índice de reajuste, posto que, se considerado o acumulado do IGP-M de 12 meses para o mês de junho de 2021, temos o resultado equivalente à 33,75%, enquanto para o mesmo período a variação do IPCA se deu no patamar de 8,35%, por exemplo.
Os que defendem a substituição do índice utilizam como argumento as teorias da imprevisão, onerosidade excessiva e força maior, enquanto os que defendem a manutenção do IGP-M apresentam as teorias da autonomia da vontade e da obrigatoriedade dos contratos.
Vale ressaltar que a discussão no âmbito judicial poderia esbarrar no artigo 421 do Código Civil, posto que o citado artigo menciona, expressamente, a intervenção mínima do Estado nas relações contratuais privadas.[1]
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, em outros tempos, já proferiu julgamentos no sentido da possibilidade de substituição do índice em prol do equilíbrio econômico em várias ocasiões, entre elas no AgInt no REsp n° 1.543.466/SC [2] e AgRg no REsp 1.206.723/MG [3].
Ainda, o mencionado Tribunal Superior, em outro momento histórico, nos idos de 1999, quando ocorreu a maxidesvalorização do real frente ao dólar, quando a correção monetária era baseada na variação cambial do dólar, já se posicionou favorável à solução que nos parece bastante adequada, qual seja, repartição do ônus das diferenças resultantes da variação cambial entre as Partes contratantes, igualmente prejudicadas pelo fato econômico imprevisível [4]. Assim, se evitava a transferência total dos ônus decorrentes deste fato econômico imprevisível apenas a uma das Partes.
Regionalizando a discussão, o Tribunal de Justiça de São Paulo já se posicionou tanto pela manutenção do IGP-M, quanto pela possibilidade de substituição.[5]
A discussão é tamanha que houve a propositura, pelo Partido Social Democrático (PSD), de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental perante o Supremo Tribunal Federal, com pedido liminar (ADPF 869), na qual se busca conferir interpretação de acordo com a Constituição (princípios constitucionais) ao art. 317 do Código Civil e arts. 17 e 18 da Lei 8.245/1991 (Lei de Locações), para estabelecer o entendimento segundo o qual o reajuste dos contratos de locação residencial ou não residencial deve se realizar por intermédio da aplicação do IPCA, em substituição ao IGP-M (ou ao IGP-DI), ainda que previsto contratualmente de forma diversa. Recentemente, tanto a Associação Brasileira de Shopping Center – ABRASCE quanto a SINDILOJAS SP, assim como outras instituições e associações de classe peticionaram na causa apresentando pedido de intervenção como amicus curiae (“amigo da corte” – aquelas pessoas que contribuem com o tribunal para um julgamento mais justo).
No mesmo sentido já foi apresentado o Projeto de Lei n°.1026/2021 por parte do deputado Vinícius Carvalho (Republicanos/SP), o qual pretende alterar a Lei nº 8.245, de 1991 (Lei de Locações) no sentido de que o índice de correção dos contratos de locação residencial e comercial não seja superior ao índice oficial de inflação do País – IPCA. O PL segue aguardando deliberação no Plenário da Câmara.
Cumpre ressaltar que, por conta particularidade dos contratos em shopping centers, ainda não é possível prever se o projeto abarcará o artigo 54 da Lei de Locações, o qual trata especificamente deste tipo de locação[6].
Conforme se nota, a substituição de índice contratual em razão da pandemia é objeto de controvérsia no âmbito judicial, razão pela qual o melhor caminho continua sendo a composição amigável entre as partes, visando uma situação cômoda para ambas, o que talvez seja possível por meio da aplicação da média dos índices de correção monetária existentes, ainda que de maneira provisória, solução que já vem sendo dada pelos tribunais pátrios.
____________
[1] “Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.”
[2] STJ: AgInt no REsp n° 1.543.466/SC, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, J. em 27/06/2017, DJe 03/08/2017;
[3] AgRg no REsp 1.206.723/MG, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe 11.10.2012
[4] EDcl no REsp n. 742.717/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe de 16/11/2011
[5] Manutenção do índice: TJSP; Apelação Cível 1000622-30.2021.8.26.0292; Relator (a): Arantes Theodoro; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jacareí – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/07/2021; Data de Registro: 22/07/2021; e TJSP; Agravo de Instrumento 2141128-42.2021.8.26.0000; Relator (a): Silvia Rocha; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II – Santo Amaro – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/07/2021; Data de Registro: 14/07/2021.
Possibilidade de substituição do índice: TJSP; Agravo de Instrumento 2055150-97.2021.8.26.0000; Relator (a): Carlos Russo; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional IV – Lapa – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/07/2021; Data de Registro: 14/07/2021; e TJSP; Agravo de Instrumento 2080492-13.2021.8.26.0000; Relator (a): Antonio Rigolin; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 42ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/06/2021; Data de Registro: 30/06/2021.
[6] “Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center , prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.”