Dados levantados recentemente pelo Ministério do Desenvolvimento Regional apontam que mais de 50% dos imóveis no Brasil possuem alguma irregularidade. Para se ter uma ideia, calcula-se que, dos 60 milhões de domicílios brasileiros, ao menos 30 milhões não têm escritura1, o que é muito preocupante, já que sua ausência é apenas uma das possíveis irregularidades que um imóvel pode ter.
Diversos são os fatores que levam à irregularidade de um imóvel no país, mas podemos atribuir três principais causas: (i) a complexidade do procedimento de regularização e escrituração de um imóvel, (ii) custo elevado, que acaba afastando a possibilidade de regularização para a maioria dos brasileiros e (iii) a ausência de políticas públicas voltadas para esse fim.
Segundo o advogado Renato Góes2, presidente da Comissão de Regularização Fundiária da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, esse problema da irregularidade dos imóveis vem desde a época do descobrimento do Brasil, com a ocupação de terras sem qualquer título, invasões, vendas e doações com ausência de registros, loteamentos feitos sem observância da Lei, construções sem projetos aprovados pela Prefeitura Municipal, dentre outros.
Ademais, essa falta de regularização acarreta insegurança jurídica, não só dos proprietários, mas, principalmente, de quem busca comprar um imóvel, vez que ante a ausência de registro imobiliário, os compradores podem ter seu imóvel registrado por terceiros, bem como ficam impedidos de utilizá-lo como garantia de empréstimos e financiamentos, dificultando o desenvolvimento econômico familiar e comercial.
Além disso, os prejuízos econômicos são imensuráveis, abrindo caminho para sonegação fiscal, e afetando negativamente a arrecadação de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e Imposto de Renda (IR).
As consequências de um imóvel irregular nesse cenário são muitas, podendo variar de simples multa, desvalorização do imóvel, restrições na venda, custos inesperados e, até mesmo, a perda dos direitos reais sobre a propriedade, situações que podem dificultar na hora de realizar o procedimento de venda desse imóvel, e até mesmo atrapalhar um processo de divórcio ou inventário.
Importante ressaltar que o imóvel irregular, em regra, não pode ser formalmente transferido e, se é vendido, faz com que o comprador assuma um risco de dificuldade na plena utilização desse bem, e até mesmo acarretando na perda do imóvel.
Assim, a regularização de um imóvel é medida salutar se o proprietário, ou possuidor deseja ter segurança de que aquele bem poderá um dia ser regularmente vendido, ou, mais, que esse imóvel será, com o seu falecimento, transferido aos seus herdeiros sem maiores dores de cabeça.
A regularização imobiliária pode ser feita por meio de procedimentos judiciais, extrajudiciais e administrativos, visando atualizar a matrícula do imóvel, constando todas as averbações e registros necessários, bem como o resumo das principais ocorrências relacionadas ao imóvel, como por exemplo a sua identificação, com as características, confrontações, localização e área. Se o caso de imóvel rural, deve-se fazer constar da matrícula imobiliária o seu código e os dados constantes do CCIR; se urbano, deve-se fazer constar o seu logradouro, número, e designação cadastral, além dos dados dos atuais proprietários e dos anteriores, se houver.
As principais situações de risco que ocorrem por conta da falta de regularização imobiliária, são as operações de venda de imóveis levadas a cabo por meio de “contratos de gaveta”, fazendo com que os compradores sejam apenas possuidores do imóvel, e não proprietários de direito. Isso porque, de acordo com a lei, somente após o registro da escritura do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis – CRI é que se transfere a plena propriedade do bem.
Na hipótese de existência do contrato de compra e venda, uma das recomendações é de que seja feito o registro desse contrato na matrícula do imóvel, de modo a dar publicidade da venda para terceiros (evitando, portanto, alegações de que terceiros estariam de boa-fé), bem como para que se tenha mais força em uma eventual demanda entre as partes.
Nesses casos, quando ocorre a recusa da parte vendedora em lavrar a escritura pública competente, para transferir a propriedade, há a possibilidade de ingresso da ação de adjudicação compulsória, visando transferir obrigatoriamente o bem imóvel, desde que cumpridas certas condições.
Ainda, de um modo geral, nessas situações em que não há escritura ou justo título hábil para registro, ou mesmo ausência de registro imobiliário, outra medida de regularização que pode ser adotada é a famosa ação de usucapião, que é um meio de aquisição originária de um imóvel em razão do exercício da posse efetiva e prolongada do bem.
Esse procedimento visa consolidar e regularizar uma situação de fato (a ocupação do bem pelo autor da ação), e traz estabilidade social, conservando direitos, sendo possível, desde que seu proponente cumpra os requisitos estipulados para cada modalidade de usucapião.
Outra hipótese de irregularidade é a ausência do documento chamado “Habite-se”. Em regra, ele é fornecido pelas prefeituras, quando há a confirmação de que a obra construída no imóvel estava de acordo com o projeto e respeitou as leis e normas municipais.
O procedimento para regularização e emissão do “Habite-se” deve ter a participação de um engenheiro, o qual deverá emitir parecer sobre a obra e entregar os documentos necessários para regularização. A falta do “Habite-se” consiste no impedimento de residir ou ocupar o imóvel construído, bem como, na desvalorização do mesmo nas operações de compra e venda, vez que estará com sua matrícula irregular, e fatalmente, cedo ou tarde, gerará custos ao comprador para a emissão do documento e sua regularização.
Outro item que merece atenção, é a existência de dívidas relativas ao imóvel. Os imóveis que possuem dívidas, além de ficarem impedidos de serem vendidos – devido à necessidade de apresentação das certidões negativas de débitos para a formalização das escrituras -, correm o risco de serem penhorados em execuções fiscais, ou mesmos levados a leilão.
Desse modo, faz-se extremamente necessária a regularização de dívidas pendentes. Se as dívidas forem relativas ao imóvel, como por exemplo, o IPTU, recomenda-se a renegociação das dívidas com a prefeitura local, no entanto, se a dívida for referente a um condomínio, é necessário que negociação seja feita diretamente com o condomínio, visto que ele é o credor dessa obrigação.
Entretanto, caso a dívida venha a ser do proprietário, como no caso de atraso do pagamento do financiamento imobiliário, recomenda-se que as negociações sejam feitas diretamente com a instituição financeira, evitando assim que o imóvel seja levado a leilão.
No caso dos imóveis rurais, além das possíveis irregularidades acima elencadas, devemos ainda observar outros itens que são de suma importância para a plena utilização do imóvel.
Todo imóvel rural deve ser devidamente cadastrado no Sistema Nacional de Cadastro Rural – SNCR, do INCRA, sendo que esse cadastro possibilita a emissão do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural, o chamado CCIR. Esse certificado é obrigatório em toda e qualquer operação de desmembramento, arrendamento, hipoteca, venda ou promessa de venda de imóveis rurais, de parte ou toda a propriedade rural, assim como para homologação de partilha amigável ou judicial.
Ademais, os imóveis rurais também precisam ter o Cadastro Imobiliário Brasileiro – CIB, que é o mesmo número do NIRF (Número de Inscrição na Receita Federal), de modo que, por meio desse número, deverá ser feita a declaração do Imposto sobre a Propriedade Rural – ITR.
Por conseguinte, ainda é necessário que os imóveis que atualmente possuam mais de 100 hectares, façam o georreferenciamento de suas áreas, e que todos os imóveis façam a sua inscrição no Cadastro Ambiental Rural – CAR, e ainda que avaliem a necessidade de delimitação e preservação de áreas de reserva legal, áreas de preservação permanente, dentre outras.
Apesar de não se pretender aqui esgotar o tema, observa-se que a regularização imobiliária, apesar de ter um custo, é de extrema importância, pois traz segurança jurídica aos seus proprietários, herdeiros e possíveis compradores, além de expressiva valorização dos imóveis e facilidade nas operações.
Recomenda-se sempre que o proprietário, ou comprador, diante de um imóvel irregular, procure um advogado especialista na área, para que seja devidamente orientado e para que o imóvel possa ser devidamente regularizado em todos os aspectos a ele inerentes.
Por Angélica Matos da Silveira e Maria Eugênia Grizoli Elias
1 https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/07/28/interna-brasil,774183/imoveis-irregulares-no-brasil.shtml
2https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2019/07/28/interna_politica,1072944/metade-dos-imoveis-urbanos-no-pais-nao-tem-escritura.shtml